(Início em Janeiro de 2020 e todas as primeiras quartas-feiras até Março de 2021 - programa em baixo)
Nota - devido à pandemia o calendário foi alterado. Novas informações em breve.
Com um total de 14 obras que espelham a diversidade estética de uma das mais importantes e influentes cinematografias ao longo de um século, o ciclo inicia-se nos anos 1920 com alguns dos pioneiros do cinema russo: Serguei Eisenstein, Boris Barnet e Aleksandr Dovzhenko.
Uma segunda parte do ciclo dedica-se ao cinema após a década de 1960, momento a que se poderia chamar um novo fôlego do cinema russo e soviético, com as obras de Larisa Shepitko, Mikhail Romm, Marlen Khutsiev, Nikita Mikhalkov, Elem Klimov e Andrei Konchalovsky.
Esta será uma oportunidade única de descobrir verdadeiras pérolas cinematográficas dos maiores nomes do cinema russo, muitos deles ainda desconhecidos do grande público.
RÚSSIA ANOS VINTE
No final da década de 20, os cineastas soviéticos exploram todas as possibilidades da arte nova, que dera ao mundo o sentimento de uma marcha ao ritmo da revolução. Uma dezena de filmes de excepção testemunham-no, entre os quais três, estreados entre Setembro de 1928 e Fevereiro de 1929. Arsenal faz de Aleksandr Dovzhenko o terceiro grande da "epopeia revolucionária", ao lado de Eisenstein e de Poudovkine. Porém, longe de ilustrar, como eles, os aniversários e as palavras de ordem, Dovzhenko ataca em modo poético as contradições da sua pátria, a Ucrânia, dividida desde a queda do czar entre nacionalismo e revolução. Nem os Ucranianos nem os Soviéticos lhe ficarão gratos por isso. Para Dovzhenko, comunista assumido, a revolução bolchevique é a consequência lógica das forças telúricas, mágicas, que criaram o seu país. No centro das massas e da história em curso, o seu herói operário, invulnerável às balas, emerge directamente da velha lenda do rebelde camponês Oleksa Dovbouch. Para Dziga Vertov, trata-se não de refletir, mas antes de fazer a revolução atravésdo cinema. E consequentemente, de revolucionar a prática do cineasta, assim como a do espectador: o próprio acto de ver. O Homem da Câmara de Filmar é uma experiência sem precedentes. "Pensamos", dirá Vertov, "ter direito a ocasionalmente realizar filmes que produzam outros filmes. São uma garantia vital para futuras vitórias". Este filme "sem intertítulos, sem argumento, sem teatro, sem actores e sem décors" mostra, simultaneamente, no decurso de uma perseguição alucinante: a projecção do próprio filme; o dia de um operador de câmara (o irmão de Vertov, Mikhail Kaufman, desempenhando o papel do cineasta); o quotidiano de uma grande cidade e dos seus habitantes, o que subsiste do mundo de ontem e o aburguesamento da nova sociedade.
O cinema soviético não é feito senão de epopeias revolucionárias, sendo que a montagem não ocupa nele o único espaço. Ao impulso criador direccionado a um futuro transformado opõe-se a tendência de expor o ritual da existência quotidiana, o byt, segundo um conceito russo sem equivalente noutras culturas. É no quotidiano que a mudança de vida pode lograr, ou não. Desde o início, Boris Barnet, apaixonado pelos actores e, sobretudo, pelas actrizes, é um cineasta da felicidade possível e frágil: o exacto opostode um artista oficial. A sua obra-prima do cinema mudo, A Casa na Praça Trúbnaia, permaneceu desconhecida fora da URSS até aos anos 60. Como a maior parte dos seus filmes, este está ancorado no presente, e as suas intrigas múltiplas giram em redor de uma jovem mulher ingénua e subtil. Barnet cria o argumento a partir do contributo de quatro escritores talentosos; parodia as formas das vanguardas sem as desvalorizar, para delas retirar a sua verdadeira força. Segundo Vertov, a câmara permite percorrer em todos os sentidos o tempo e o espaço. Barnet cita um episódio onde se joga a oposição entre cidade e campo. O teatro da agitação, os desfiles, a sindicalização e motivos de propaganda tornam-se articulações de uma tomada de consciência humorística e irónica.
O cinema, barómetro da sociedade, parece aqui funcionar em desfasamento com o seu tempo. Estes anos testemunham a eliminação política de Trotsky e dos opositores de Estaline, o primeiro plano quinquenal, a colectivização forçada, a revolução proletária em matéria de cultura. O cinema soviético submete-se à palavra de ordem de uma “arte acessível a milhões de espectadores”, excluindo toda a experimentação queo enriquecera. E no entanto, raramente produziu tantas obras-primas como antes.Os três filmes de Dovzhenko, Vertov e Barnet são apenas parte visível do icebergue, e resta- nos perspectivar ainda muitas redescobertas e descobertas.
Bernard Eisenschitz, Abril 2016 [Trad. Cláudia Coimbra]
UMA NOVA VIDA PARA SERGUEI EISENSTEIN
Às vezes perguntam: valerá a pena mostrar, hoje em dia, os filmes de Serguei Eisenstein aos espectadores? Talvez este realizador pertença apenas à cultura soviética que, tal como a URSS, já faz parte do passado? Tenho certeza de que não só vale a pena como é necessário mostrá-los. Eisensteiné uma figura emblemática de um período de desenvolvimento não só do cinema e da arte na Rússia, mas da cultura de toda a humanidade. Como qualquer grande artista, Eisenstein reflectiu — directa ou metaforicamente — os mais importantes acontecimentos, ideias, esperanças e desilusões do século XX.Tanto a sua "trilogia da Revolução" (A Greve, O Couraçado Potemkine, Outubro), como Alexandre Nevsky ( filme antifascista baseado em acontecimentos do século XIII) e Ivan, o Terrível ( filme histórico muito actual contra o despotismo) reflectem um certo estado da consciência social e da evolução histórica da Rússia, de importância universal.
Eisenstein estava sempre a um nível mais alto e mais vasto do que a conjuntura política com que, não raro, o tencionam relacionar. Considerar, hoje em dia, osfilmes de Eisenstein apenas "socialistas"ou "anticapitalistas" é a mesma coisaque caracterizar Balzac como "ideólogodo monarquismo" e Stendhal como "bonapartista". E terá grande importância para um leitor moderno saber se Dante Alighieri pertencia aos Guelfos ou aos Gibelinos? É óbvio que não podemos estudar a história utilizando as obras de arte como veículo. A arte não é uma ilustração de manual, não substitui o quadro científico da realidade, mas cria uma imagem dela.
A imagem da revolução russa não foi criada por Eisenstein de acordo com a letra da época, mas sim de acordo com o seu espírito. Os acontecimentos revolucionários de 1905 não se desenrolavam em Odessa tal qual ele no-los apresenta. Porém, o episódio da escadaria emO Couraçado Potemkine é uma espéciede resumo de tudo o que ocorreu durantea primeira revolução na Rússia: o massacre da manifestação pacífica de 9 de Janeiro na praça Dvortsóvaia em São Petersburgo, a repressão dos motins camponeses, a utilização das tropas contra o povo, os pogroms judaicos,as provocações contra os partidários da democracia... Assim, O Couraçado Potemkine torna-se uma imagem do Protesto Nacional contra a Crueldade da Autarcia, uma imagem do Impulso para a Liberdade, a Igualdadee a Fraternidade.
Eisenstein, muitas vezes, é criticado porter virado as costas ao herói individual, preferindo-lhe as massas do povo e até a multidão como "protagonista" do filme... Não, não é uma multidão. Muitas vezes acham que a massa é multidão, pondoentre elas o sinal de igualdade e repetindo mecanicamente que a massa é um elemento destruidor. Uma massa organizada é sociedade, e não uma multidão. Nos seus primeiros filmes, Eisenstein mostra a transformação da multidão em povo, em criador da história. Aliás, vê também o caso contrário — a degradação da massa impelida pelas emoções, mas carente de consciência, transformada numa multidão tomada pelo pânico, numa corrente cega que pisa as crianças. Estas imagens de auto-organização e autodestruição da massa social são de grande importância nos filmes de Eisenstein e muito actuais para qualquer sociedade.
No final de Potemkine, os marinheiros que se recusaram a abrir fogo contra os seus semelhantes tornam-se povo. Nisto — na rejeição da violência — consiste o sentido do filme. Entre nós, dizem muitas vezes que Potemkine conclama à revolução.
Entretanto, é o primeiro filme do período pós-revolucionário que declara: chegou o m da violência. A mais importante frase neste filme é: "Irmãos! Contra quem estais a disparar?"
A palavra mais importante da frase: "IRMÃOS!" Porque a Liberdade e a Igualdade sem a Fraternidade podem levar a uma nova opressão — à liberdade da repressão e à igualdade em escravidão.
Eisenstein não se confinou nos limites do "cinema sobre a massa popular". Durantea sua estada em Hollywood, criou vários argumentos sobre a tragédia do super-indivíduo que se julga criador da história,ou, pelo contrário, sobre o pequeno homem, vítima da sociedade. Assim, tencionava filmar A Tragédia Americana de Dreiser como sendo a tragédia de um jovem a quem a sociedade incute a ideia de que o ideal é o êxito pessoal a qualquer preço — e esta mesma sociedade condena-o.
Ao regressar à URSS, Serguei Eisenstein criou, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial,um filme sobre a vida de Santo Alexandre Nevsky — guerreiro que organiza a resistência à agressão.
O filme histórico era e é extremamente actual, inspirava à luta contra os nazis. Mas quando Estaline o encarregou de filmar uma película sobre Ivan, o Terrível, supondo queo realizador justificaria as crueldades do czar, Eisenstein criou uma imagem do tirano que destrói o Estado e a si próprio. Este filme é uma tragédia de envergadura shakespeariana, e foi proibido em vida do autor; hoje em diaé reconhecido como um filme clássico do cinema mundial.
Ainda em vida, Eisenstein era chamado o "Leonardo da Vinci do cinematógrafo", nãosó por causa do carácter multilateral dosseus talentos (cineasta, literato, teórico da arte, desenhador, pedagogo, publicista),mas também porque era um inovador, um experimentador, porque criava imagens insólitas e de certo modo enigmáticas. Há muitos manuscritos e desenhos dele que ainda não foram publicados, e os publicados não foram suficientemente estudados. Muitas gerações futuras vão tentar ainda desvendar o enigma de Serguei Eisenstein.
Naum Kleiman, Fevereiro 2016 [Trad. Nina Guerra e Filipe Guerra]
MIKHAIL ROMM- ENTRE OS ANTIGOS E OS NOVOS MESTRES
Mikhail Romm foi um cineasta incomensurável. Há que interpretar o adjectivo de forma literal, dado que a sua figura é verdadeiramente difícil de abarcar. Seguir pormenorizadamente a sua trajectória obriga, por exemplo, a confrontar uma secção de estudo quase tão ampla como a própria história do cinema soviético. A razão fundamental para que este realizador deva ser mencionado não se prende apenas a questões geracionais ou cronológicas mas também à responsabilidade que assumiuem cada um dos papéis aí desempenhados.E se abordarmos de forma exclusiva a sua própria filmografia, deparamo-nos com uma referência igualmente fora do comum. Oseu primeiro filme (Pyshka, 1934) supõe o final efectivo do esplendoroso período do cinema mudo na União Soviética1, enquanto as suas últimas obras, já no estertor dos anos 60 e início dos 70, chegarão a fazer parte de correntes como a dos Novos Cinemas. São raros os casos em que a produção de um cineasta seja capaz de conter um itinerário de tal magnitude.
Esta mesma desmesura repete-se na evolução do seu estilo. Com efeito, a sua dicção cinematográfica acabou por ser tão variada que se torna difícil, por momentos, falar sequer de “evolução”. Aos nossos olhos, inclusive, se por acaso é oportuno entender o trânsito que formalmente cumpre o seu cinema como uma “evolução”, tal deve-se à viragem que representam os seus quatro últimos filmes. O ponto de inflexão seria uma pequena pérola documental (e em certo sen do “experimental”) de 1958 intitulada Lenine Vive (Zhivoy Lenin); obra a que se seguiriam, completando assim o dito ciclo, Nove Dias de Um Ano (Devyat Dney Odnogo Goda, 1961), Fascismo Quotidiano (Obyknovenii Fashizm, 1965) e, por último, E Ainda Acredito (I Vsyo-taki Ya Veryu, 1974).Esta metamorfose final decerto poderá entender-se como consequência de uma necessidade última do realizador em “tomar directamente a palavra”: Mikhail Romm passou de uma ocultação deliberada de si mesmo nos primeiros três quartos da sua produção para terminar “oferecendo-se” aela em pleno. E não deixa de ser revelador que só então, e quando de modo instintivose agarrou ao ensaísmo cinematográfico (em particular com Fascismo Quotidiano), nãosó se tornou evidente o tipo de autor que Romm realmente era mas também coroou de sen do toda a sua deriva formal precedente.
Como é possível comprovar, a sua biografia está eivada de momentos em que a sua figura se aproxima de uma encruzilhada-chave da história do cinema soviético: Romm merece ser recordado também pela sua luta contra movimentos anti-semitas no seio da Mosfilm e por ter-se convertido, com o passar dos anos, num especialista da obra de Eisenstein a quem os críticos e cineastas de todo o mundo acorriam pontualmente.
Para além disso, Romm foi também o venerado mestre a quem se atribui a responsabilidade de ter provocado, entreos distintos tipos de autor em potência que conheceu enquanto docente no VGIK, a relativa abertura – e suas consequências estilísticas – que chegou com o m do Estalinismo. Romm assistiu, quer na qualidade de professor quer na de criador, a esse canto do cisne da cinematografia soviética que tão bem entoaram Tarkovsky, Klimov, Shepitko, Khutsiev. Importa assinalar aqui que a tutela que Romm poderia ter exercido, a mais importante das suas tutelas, nesse período crepuscular, não foi aquela que livrou os seus discípulos de problemas quotidianos, mas o modo como demonstrou a importância de, enquanto autor, se mostrar aquilo que vale. Salvar essa presença do criador na sua obra foi o objectivo final das preocupaçõesde Mikhail Romm, tanto no seu cinema como no dos seus alunos.
Se há algo de absolutamente fascinanteno cinema soviético que hoje sobrevive– não podemos negá-lo – é a assombrosa intensidade com que cada um dos seus cineastas foi capaz de se “fazer presente”na sua obra. Por isso se torna imprescindível fazer renascer, hoje, o interesse por um homem como Romm. E já que começámos este texto falando da sua tendência, voluntária ou não, para o desmedido, existe maior sinal de grandeza do que a aspiração do ser humano em ser imortalizado pela imagem?
José Manuel Mouriño, Abril 2016 [Trad. Cláudia Coimbra]
CICLO DE CINEMA RUSSO – PROGRAMA
29 de Janeiro de 2020
VÊM E VÊ (1985, 142’) de Elem Klimov | Estreia comercial em Portugal
Um dos mais impressionantes filmes de guerra alguma vez feitos. O herói do filme é Flyora, um adolescente de 16 anos. Se no início da história Flyora é um rapazinho como tantos outros da sua idade, à medida que ele vai conhecendo o horror das execuções perpetradas pelos Nazis, a sua cara vai-se transfigurando e envelhecendo. As transformações no seu rosto são o espelho do rosto da guerra.
5 de Fevereiro de 2020
OUTUBRO (1928, 102’) de SERGUEI EISENSTEIN
Em estilo documental, são recriados os eventos em Petrogrado, desde o final da monarquia em Fevereiro de 1917, até ao final do governo provisório em Novembro desse ano. Lenine regressa em Abril. Em Julho, os contra-revolucionários organizam uma revolta espontânea, e é decretada a prisão de Lenine. No nal de Outubro, os bolcheviques estão prontos a atacar. Dez dias que irão abalar o mundo.
4 de Março de 2020
A CASA NA PRAÇA TRÚBNAIA (1928, 86’) de BORIS BARNET - cópia restaurada | Estreia comercial em Portugal
Parasha Pitunova chega a Moscovo, vinda da província, para trabalhar como empregada doméstica. Esta comédia conta a história da casa onde ela vai trabalhar, e dos seus habitantes. Uma sátira à hipocrisia da pequena burguesia, que sobrevivera à Revolução na URSS e que continuava, sorrateiramente, a explorar os necessitados.
1 de Abril de 2020
ARSENAL (1929, 90’) de ALEKSANDR DOVZHENKO
A Primeira Guerra Mundial trouxe a devastação ao povo ucraniano. Timosh, um soldado ucraniano recentemente desmobilizado, chega durante a celebração da libertação ucraniana. Começa a desafiar as autoridades locais e, depois, no congresso, pede a adopção do sistema soviético. Na fábrica de munições Arsenal, onde trabalhava, as emoções estão ao rubro.
6 de Maio de 2020
ALEXANDER NEVSKY (1938, 112’), de SERGUEI EISENSTEIN - cópia restaurada
Rússia, primeira metade do século XIII. O país é invadidoe saqueado. Finalmente, o deprimido e instável príncipe Alexandre Yaroslavich Nevsky é chamado para liderar o seu povo na luta contra os opressores.
3 de Junho de 2020
ASAS (1966, 85’), de LARISA SHEPITKO | Estreia comercial em Portugal
Nadezhda Petrukhina viveu em tempos dias gloriosos como piloto durante a Segunda Guerra Mundial. Agora, como directora de uma escola, lida com o sufoco e o aborrecimento do dia-a-dia.
1 de Julho de 2020
CHUVA DE JULHO (1966, 107’) de MARLEN KHUTSIEV | Estreia comercial em Portugal
Lena está prestes a casar-se com Volodya quando descobre que o noivo é uma má pessoa e que aquela relação não tem futuro. Depois de o abandonar, procura um rumo para a sua vida em aventuras com artistas que também procuram a sua identidade. À chuva, conhece Zhenya.
2 de Setembro de 2020
O TIO VÂNIA (1971, 104’) de ANDREI KONCHALOVSKY | Estreia comercial em Portugal
Um professor e sua segunda esposa, Yelena, viajam até às suas terras no campo. Vânia, irmão da primeira esposa do professor, e Astrov, médico local, apaixonam-se por Yelena. As coisas complicam-se quando o professor anuncia a intenção de vender as terras. O filme é uma adaptação da célebre obra homónima de Anton Tchékhov.
Festival de San Sebastián 1971 – Concha de Prata
7 de Outubro de 2020
E AINDA ACREDITO (1974, 105’) de MIKHAIL ROMM, ELEM KLIMOV, MARLEN KHUTSIEV | Estreia comercial em Portugal
Mikhail Romm morreu enquanto realizava E Ainda Acredito, tendo o filme sido terminado pelos seus alunos, os cineastas Elem Klimov e Marlen Khutsiev. Na origem do filme, encontra-se um ensaio documental, começado por Romm em 1967. Para a realização de E Ainda Acredito, Elem Klimov e Marlen Khutsiev recorreram a gravações de um diário sonoro do realizador.
4 de Novembro de 2020
ASCENSÃO (1977, 105’) de LARISA SHEPITKO | Estreia comercial em Portugal
Durante a Segunda Guerra Mundial, dois soldados soviéticos afastam-se do seu pelotão para a recolha de mantimentos numa quinta próxima. Os alemães chegam primeiro ao local, e os dois soldados são obrigados a caminhar no interior da floresta, numa tentativa de encontrar refúgio junto dos camponeses. Esta viagem por território ocupado é também uma viagem ao seu interior, já que a angustiante caminhada leva-os a uma jornada de traição, heroísmo e transcendência.
Festival de Berlim '77 – Urso de Ouro, Prémio FIPRESCI, Prémio OCIC, Prémio Interfilm
2 de Dezembro de 2020
PEÇA INACABADA PARA PIANO MECÂNICO (1977, 103’) de NIKITA MIKHALKOV
Baseada em “Platonov”, de Anton Tchékhov, esta história retrata a vida da pequena nobreza russa no final do século XIX. Professor numa aldeia, Platonov está a atravessar uma crise emocional: acha que a sua vida não tem um propósito e atormenta-se a sie à sua mulher por essa razão. O outro protagonista do filme,o doutor Terletsky, detesta os seus pacientes e o seu trabalho.Já os convidados instalados em casa da mulher do general, Anna Petrovna, falam dos prazeres da vida simples na aldeia,não acreditando no que aqueles dizem.
Festival de San Sebastián 1977 – Concha de Ouro
6 de Janeiro de 2021
SIBERÍADA (1978, 275’) de ANDREI KONCHALOVSKY - cópia digital restaurada | Estreia comercial em Portugal
Um épico russo sobre duas famílias, os Solomin e os Ustyuzhanin, numa pequena aldeia isolada na Sibéria. Acompanhamosos sonhos, medos, e romances de três gerações em buscada felicidade, enquanto as constantes mudanças políticas pouco a pouco atingem a esquecida região.
Festival de Cannes 1979 – Grande Prémio do Júri
3 de Fevereiro de 2021
ADEUS A MATIORA (1983, 112’) de ELEM KLIMOV
Matiora é uma pequena aldeia, numa ilha com o mesmo nome. A existência da aldeia é ameaçada pela construção de uma barragem. Esta é a história dos habitantes de Matiora, que assistem ao fim da aldeia e se despedem da sua terra.
3 de Março de 2021
OLHOS NEGROS (1987, 117’) de NIKITA MIKHALKOV
Baseado em três contos de Anton Tchékhov, o filme relata a vida sentimental de um italiano, Romano Patroni, que partilha a sua história com um cavalheiro russo a bordo de um barco. Patroni, apesar da sua origem humilde, consegue terminar o curso de arquitectura e casa-se com uma rica herdeira. Alguns anos depois, conhece Ana, uma jovem russa por quem se apaixona. e que vai perseguir por toda a Rússia. Uma história de amores frustrados e ilusões perdidas.
Festival de Cannes 1987 – Prémio Interpretação Masculina
Oscars 1988 – Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro
Golden Globes 1988 – Nomeação para Melhor Filme Estrangeiro
MINI-BIOGRAFIAS DO REALIZADORES
SERGUEI EISENSTEIN (n. Riga, Letónia, 23/01/1898, m. Moscovo, 11/02/1948)
Sergei Mikhailovich Eisenstein foi um professor, pensador, realizador, argumentista e editor russo. Um dos nomes fundamentais na consolidação da linguagem das imagens em movimento, sua obra é até hoje objecto de estudo para todo o admirador e profissional da sétima arte.
Quando era jovem, Eisenstein frequentou uma escola estatal de ciências, de forma a preparar-se para a escola de engenharia, seguindo os passos do seu pai. Encontrou tempo, no entanto, para ampliar seu conhecimento lendo várias obras em russo, alemão, inglês e francês, bem como compondo desenhos animados e atuando num grupo de teatro infantil que ele mesmo fundou. Em 1915, mudou-se para Petrogrado para continuar os seus estudos no Instituto de Engenharia Civil, onde o seu pai também se formara. Por conta própria, ele estudou arte renascentista e assistiu a produções de vanguarda do teatro de Vsevolod Meyerhold e Nikolai Yevreinov.
BORIS BARNET (n. Moscovo, 18/06/1902 e m. Riga, 08/01/1965)
Boris Vasilyevich Barnet foi estudante da Escola de Arte de Moscovo, ingressou no Exército Vermelho aos 18 anos e esteve profissionalmente envolvido no boxe. Em 1927, ele filmou a sua primeira longa-metragem, um filme de comédia, The Girl with a Hatbox. O seu filme The House on Trubnaya (1928) é considerado um dos filmes mudos clássicos russos.
Encorajado por Yakov Protazanov, Barnet surgiu na década de 1930 como um dos principais cineastas do país, trabalhando com artistas como Serafima Birman e Nikolai Erdman. Periferia (1933), uma história pacifista aclamada no primeiro Festival de Cinema de Veneza, é considerada uma das obras-primas de Barnet.
O trabalho de Barnet no pós-guerra é exemplificado pelo Secret Agent, o primeiro filme de espionagem soviético. O filme vencedor do Prêmio Stalin também estava anos à frente de seu tempo, exibindo influências e truques de Hitchcock e ajudou a consolidar a reputação de Barnet no exterior.
Foi o dom de invenção artística de Barnet que o destacou da multidão de colegas soviéticos. Num filme de Barnet, uma fotografia no jornal inesperadamente ganha vida e as cenas frequentemente terminam com um detalhe introduzindo a próxima cena. Ele começava uma cena em close-up, para que o espaço fosse progressivamente descoberto mudando o eixo ou o movimento da câmera. Entre os cineastas russos que professavam a sua admiração por Barnet estava Andrei Tarkovsky.
ALEKSANDR DOVZHENKO (Sosnytsia, Ucrânia, 11/09/1894, m. Moscovo, 25/11/1956)
Oleksandr Dovzhenko foi realizador e escritor ucraniano, fundador do cinema «poético». São famosos filmes como Zvenigora, Arsenal, Terra, bem como outros cenários não realizados, Ucrânia em fogo e Desna Mágico, os quais se tornaram obras literárias de valor inigualável. Na exibição internacional em Bruxelas, em 1958, Dovzhenko foi reconhecido como um dos dez melhores artistas de produção cinematográfica mundial durante todos os seus 60 anos de história, e o seu filme Terra foi um dos 25 melhores filmes de todos os tempos e de todos os povos. Charlie Chaplin apreciava imenso a obra do realizador ucraniano e, num dos seus discursos, disse que “até agora, os eslavos deram ao mundo um só génio do cinema – o pensador e poeta – Oleksandr Dovzhenko”. Na opinião do crítico de cinema americano Arthur Knight, os melhores filmes japoneses tiveram a influência da arte de Dovzhenko.
LARISA SHEPITKO (n. Artemovsk, na Ucrânia, 06/01/1938, m. 02/07/1979)
Larisa Shepitko estudou na Escola Estatal de Cinema em Moscovo (VGIK), tendo sido uma das últimas alunas do mestre Alexander Dovzhenko, até à morte deste em 1956. No seu filme de fim de curso, foi auxiliada na montagem por Elem Klimov, também estudante da VGIK, com quem viria a casar em 1963. A edição do corpo da sua obra, com as longas-metragens Asas (Krylya, 1966), Tu e Eu (Ty i ya, 1971) e Ascensão (Voskhozhdenie, 1977), três filmes que escapam aos grandes temas, interessados em personagens, personagens que olham para dentro de si próprios, da sua vertigem, foram uma das mais empolgantes descobertas cinematográficas do mercado português dos últimos anos.
MARLEN KHUTSIEV (n. Tbilisi, Geórgia, 04/10/1925 e m. Moscovo, 19/03/2019)
Marlen Khutsiev foi autor de uma dezena de filmes que estiveram na base da nova onda de cinema soviético, a seguir à morte de Estaline, em 1953. Primavera na Rua Zarechnya foi uma das suas obras mais conhecidas, lançada em 1956. O filme foi visto por mais de 30 milhões de espectadores na altura.
Até ao fim da vida, Khutsiev continuou a fazer filmes e a leccionar na principal escola de cinema russa, VGIK. O realizador recebeu dezenas de prémios nacionais e internacionais ao longo da sua carreira em reconhecimento do seu contributo para a sétima arte. O seu último filme, Not Yet Evening, sobre o encontro de dois escritores de diferentes gerações, Tolstoy e Chekhov, terá sido concluído antes da sua morte.
ANDREI KONCHALOVSKY (n. Moscovo, 20 de Agosto de 1937)
Andrey Sergeyevich nasceu no seio de uma família aristocrática de Mikhalkovs. Ele mudou de nome para Andrei e usou o sobrenome do seu avô materno (Konchalovsky) para usar como seu nome artístico. Ele é irmão de Nikita Mikhalkov e filho de Sergei Mikhalkov. Ele estudou durante dez anos no Conservatório de Moscovo, se preparando para a carreira de pianista. Em 1960 conheceu Andrei Tarkovsky e co-argumentou o seu filme Andrei Rublev (1966).
Andrey Konchalovsky lançou diversos filmes na Rússia e com isso ganhou prestígio internacional. Em 1979 ele foi nomeado ao Urso de Prata, o que fez com que ele se transferisse para os Estados Unidos em 1980. Em Hollywood lançou filmes de prestígio como O Círculo do Poder, Expresso Para o Inferno e Tango & Cash. Na década de 90 voltou a Rússia. O Leão no Inverno recebeu diversos prémios, incluindo um Globo de Ouro. O seu último filme, O Quebra-Nozes em 3D teve o seu lançamento nos Estados Unidos em 24 de novembro de 2010.
MIKHAIL ROMM ILICH (n. 24/01/1901 e m. 01/11/1971)
Mikhail Romm era filho de um social-democrata judeu que se exilou na URSS. Entrou na Faculdade de Moscovo de Pintura, Escultura e Arquitectura. De 1918 a 1921 serviu no Exército Vermelho durante a guerra civil russa. Após o fim da sua carreira militar, Romm recebeu uma bolsa de estudos do governo soviético. Em 1925 formou-se como um escultor da turma de Anna Golubkina num prestigiado Instituto Artístico-Técnico e trabalhou como escultor e tradutor. Entre 1928 e 1930, ele realizou uma pesquisa sobre a teoria do cinema no Instituto para os métodos de trabalho extra-escolar. Desde 1931 trabalhou na Mosfilm. Em 1940-1943 era um líder artístico da Mosfilm. Entre 1942 e 1947 foi director de um estúdio de teatro para atores de cinema. A partir de 1948, ele era o líder do departamento de actores-produtor da VGIK. Influenciou muitos realizadores proeminentes, incluindo Andrei Tarkovsky, Grigori Chukhrai, Vasily Shukshin, Nikita Mikhalkov, Georgi Daneliya, Aleksander Mitta, Igor Talankin, Rezo Chkheidze, Gleb Panfilov, Vladimir Basov, Tengiz Abuladze, Elem Klimov e muitos outros.
Sonho (Mechta) (1941) é considerado um dos pontos altos da carreira de Romm.
ELEM KLIMOV
O filme mais conhecido do cineasta russo Elem Klimov no Ocidente é o emocionante e aclamado drama de guerra Idi i Smotri / Vem e Vê (1985), um filme que narra simultaneamente a violência contra o povo bielorrusso pelos invasores nazis em 1943 e presta homenagem à força e resiliência dos camponeses russos que se mantiveram determinados a sobreviver em face do genocídio. Os eus filmes anteriores eram sátiras que criticavam o estado comunista. Por sua vez, seu trabalho não foi apreciado pelas autoridades. Klimov também dirigiu alguns docudramas esportivos. Outro de seus filmes mais conhecidos é Agoniya / Rasputin (1975), uma biografia do notório ancinho em que Klimov misturou antigas imagens documentais com novas cenas dramáticas e coloridas. O filme foi considerado inútil e não foi lançado na União Soviética até 1981 no Festival de Cinema de Moscou. Sua entrada em 1985 no mesmo festival, Come and See, deu a Klimov o Grande Prêmio. Ele foi casado com a notável cineasta Larisa Shepitko, que morreu em 1979 durante as filmagens de Adeus. Mais tarde, ele terminou o filme para ela e o lançou em 1981. Durante a perestroika, ele foi eleito o Primeiro Secretário da União de Cineastas. Ele negociou com os produtores americanos a adaptação do romance cult de Mikhail Bulgakov, Master e Margarita, mas o projeto não se concretizou.
NIKITA MIKHALKOV (n. Moscovo em 21 de outubro de 1945)
Nikita Mikhalkov é filho de Serguei Mikhalkov, poeta admirador dos estadistas soviéticos Stálin e Brejnev, escritor de livros infantis e compositor das letras das duas versões do Hino Nacional da União Soviética e do atual Hino da Federação Russa.
Nas décadas de 1970 e 1980, Nikita Mikhalkov foi um conhecido dissidente soviético e pró-czarista. Irmão do também grande cineasta Andrei Konchalovsky. e tal como ele, dedicou-se a filmes históricos na então URSS durante as décadas de 1970 e 1980. Os seus primeiros filmes reflectiam sobre o género cinematográfico. Em 1977 realizou Peça Inacabada de Piano Mecânico. Neste filme mostra o choque das duas Rússias (monárquica vs. revolucionária) no seio de uma família da classe média.
Entre os seus filmes mais notáveis, destacam-se Olhos Negros, com Marcello Mastroianni e Silvana Mangano, filmado na Itália, e Anna dos 6 aos 18, documentário filmado ao longo de 12 anos com sua filha, tendo como pano de fundo a vida política soviética entre a morte de Leonid Brejnev e o golpe de agosto de 1991.
Em 1995 Mikhalkov ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro com O Sol Enganador.
A falência espiritual e o isolamento dos personagens são temas constantes em seus filmes, onde se reflecte sobre a modernidade e sobre os regimes políticos (decadência da democracia inclusivé), como transparece em obras como Urga, de 1992, e O Sol Enganador.
No final dos anos 1990 refilmou Siberiade, filme realizado pelo seu irmão em 1979, chamado O Barbeiro da Sibéria (1998), e que na época de seu lançamento foi comparado ao filme Titanic por causa do seu alto custo de produção.
“Atrás de mim fecharam-se as portas. Começara uma nova era: a do cinema sonoro. Eu fui o último a 'furar' a tendência com um filme mudo.” Mikhail Romm, “Mikhail Ilytch Romm” em El Cine Soviético Visto Por Sus Criadores.
O que não deixa de ser, em certa medida, contraproducente: a sua responsabilidade real vê-se hoje seccionada,como se se tratasse de uma personagem diferente para cada caso, deixando pouco mais do que oco o centro da figura, tomada em conjunto.
Em 1954, ano em que Tarkovsky se matricula nesse instituto de cinema, o grupo que Romm selecciona, de entre várias centenas de aspirantes, é formado por uma vintena de jovens das mais variadas proveniências. Ali se reúnem, entre outros: “Vasili Shukshin, da Sibéria rural; Alexander Gordon, que mais tarde fará dois filmes em colaboração com Andrei durante a sua etapa de formação; Maryia Beik, exilada polí ca grega; o lho mais novo do actor Yury Fait e Irma Raush, de Kazan, actriz de talento e descendente de imigrantes alemães...” (Shusei Nishi, Tarkovsky and His Time: Hidden Truth of Life, Alt Arts LLC, Japão, 2011) Muitos ex-alunos de Romm recordam a forma como ele tentava combinar – e fazer os alunos participar na sua promoção desse confronto – as antagónicas personalidades de Andrei Tarkovsky (um jovem urbano que contava já com uma formação humanística assinalável) e Vasili Shukshin (de origem rural e com algumas lacunas no que à cultura clássica dizia respeito).
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